Monday, October 29, 2018

Relacionamento abusivo: especialista responde a perguntas sobre o tema

O relacionamento abusivo é um tema complicado. Muita gente pensa que esse tipo de relação só acontece no namoro ou casamento. Porém, na realidade, esse tipo de relação pode acontecer entre familiares, amigos e até nas relações profissionais. Inclusive, muitas pessoas que se tornam frequentemente abusadores ou vítimas numa relação abusiva agem dessa forma porque aprenderam a se relacionar assim dentro de casa. Já pensou?

Nós já fizemos um artigo aqui no blog sobre o tema. Você já viu?

Para falar sobre esse tema espinhoso conversamos com Carla Egídio, psicóloga clínica e palestrante. Especializada e Terapia Cognitivo Comportamental, trabalha principalmente com mulheres. Se dedica, ainda, a transtornos de humor, como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, transtorno obsessivo compulsivo, entre outros. Em seu site escreve artigos sobre diversos temas, lá você pode encontrar suas redes sociais e acompanhar seu conteúdo.

Vejamos o que a especialista contou para nós sobre a relação abusiva:

O que é relacionamento abusivo, afinal?

Muitas pessoas associam relacionamento abusivo ao relacionamento amoroso, mas isso não é verdade. O relacionamento abusivo é toda e qualquer relação que tenha uma manipulação para se atingir alguns objetivos. Isso pode acontecer tanto profissionalmente, quanto nas amizades e na relação familiar. Qualquer tipo de relação pode se tornar abusiva.

Então, eu definiria o relacionamento abusivo como uma relação onde há a manipulação do outro para que se realizem os seus desejos, sem se considerar a vontade do outro em relação àquilo. É lógico que sempre há expectativas em relação ao outro, mas a forma como eu ajo o respeita? Se não há respeito, se tento fazer com que a outra pessoa faça o que quero, conforme o que penso, para satisfazer minhas vontades, isso se torna um relacionamento abusivo.

Existem características em comum entre as pessoas que se vêem neste tipo de relação?

Existem aquelas pessoas que passam por este tipo de relação, como vítima, frequentemente. Então, por exemplo, o patrão é sempre abusador, nas amizades ela está sempre vivendo em prol do outro e não recebe nada, da mesma forma com o relacionamento afetivo e a relação familiar… São pessoas que tendem a repetir o padrão como vítima.

As pessoas que tendem a repetir o padrão como vítima são pessoas:

  • mais passivas;
  • que tem uma baixa autoestima;
  • pessoas que desconfiam de suas próprias potencialidades;
  • que duvidam que são capazes de ter outro tipo de relação;
  • que acreditam que merecem passar por isso, por terem errado em algum momento da vida.

E isso pode ser aprendido. Se uma pessoa tem, por exemplo, uma mãe, um pai ou uma avó que manipula todos ao redor para que sempre ajam da forma que lhe agrade, ela aprenderá que essa é a forma que uma relação funciona e futuramente vai se submeter a isso. Então ela procura sem perceber, de forma inconsciente, esse tipo de relação.

Como abusador também, a pessoa tende a repetir o padrão, porque é a sua forma de ser no mundo e de enxergar a relação. Se não tiver algo que desperte ele pra essa consciência, muito provavelmente vai continuar repetindo esse padrão.

3 tipos de abusadores:

  1. Abusadores intencionais: Eles manipulam a pessoa para agir da forma como eles querem, ignoram as necessidades da pessoa porque considera as suas próprias necessidades mais importantes, intencionalmente;
  2. Abusadores por repetição: Ele aprendeu que aquele formato de relação é normal, foi assim que aprendeu nas suas relações iniciais na família e na escola, enfim, as primeiras relações acabaram ensinando-o isso;
  3. Abusadores por trauma: A pessoa não era um abusadora, mas por ter sido abusada ela decide não ceder mais e manipular as pessoas para que todos se comportem como ela. Essa pessoa geralmente pensa assim: estar no papel de vítima me prejudica então vou assumir a outra posição.

3 sinais de alerta que indicam um relacionamento abusivo:

  1. O abusador sempre faz com que a culpa seja da vítima. A culpa de tudo sempre é dela. Se o relacionamento não está bom, a culpa é dela, ela que não está se esforçando o suficiente. Se ele fez algo de errado com essa pessoa, é porque ela deu motivo. Se ele é ignorante é porque ela é irritante. Numa relação de trabalho, se ele grita com ela na frente de todo mundo é porque ela não fez um bom serviço;
  2. O abusador nunca está preocupado com as necessidades da vítima. Ou ele finge que está, mas na verdade não, depende muito do perfil do abusador. A vítima está preocupada com as necessidades do outro e este outro não retribui esse cuidado;
  3. O abusador sempre manipula a vítima para que faça o que ele quer. A vítima deve responder às expectativas do abusador e quando ela não responde, a reação não é de compreensão, de sentar pra conversar, mas uma opressão à vítima na forma de brigas, xingamentos, punições, humilhações e cobranças.

Quais as dificuldades que quem está sofrendo abuso enfrenta quando decide terminar o relacionamento?

Primeiro é muito difícil ela entender que está numa relação abusiva, porque como a vítima geralmente acaba internalizando e acreditando que tudo é culpa dela, muito provavelmente não vai perceber que precisa terminar esse relacionamento, pois acha que precisa fazer algo para corrigir e que o erro está nela.

Quando ela decide sair do relacionamento, seja porque alguém falou, porque fez uma psicoterapia ou porque leu em alguma matéria, alguma coisa assim, ela tende a sentir culpa. E pode se questionar:

  • Será que não é realmente culpa minha?
  • Será que eu fiz alguma coisa que eu não deveria?
  • Será que se eu me esforçasse mais essa relação não daria certo?

O abusador também pode não aceitar isso de uma forma tranquila, afinal a relação se perpetua porque a vítima traz algum benefício a ele, senão já teria descartado essa pessoa. Ele tende a resistir ao término, insiste, procura a vítima, tenta culpá-la.

Tem também muita pressão da sociedade, por exemplo, numa relação profissional. Por exemplo, numa crise como esta que estamos passando, quem quer dispensar o emprego que está mantendo seu salário para se livrar de um patrão abusador? Tem esse conflito: termino com essa relação ou garanto meu sustento?

Em alguns casos mais sérios pode acontecer o assédio moral em que a pessoa continua procurando, perturbando a vítima. Depende muito do perfil do abusador e de como se dá esse rompimento. Tem abusador que vai aceitar bem e procurar outra pessoa para fazer a mesma coisa, mas tem situações em que as coisas ficam mais graves e a pessoa precisa de ajuda profissional para terminar uma relação, como o suporte policial, uma psicoterapia e também suporte da família, dos amigos.

Às vezes a pessoa precisa mudar de cidade, mudar de estado, mudar de profissão, enfim, depende da intensidade da relação abusiva. Quanto maior o grau de abuso numa relação, maior será a dificuldade para sair dela.

O que amigos e familiares podem fazer para ajudar?

O apoio dos amigos e familiares é fundamental, a gente precisa de uma rede de apoio pra vida. E amigos e familiares são rede de apoio pra gente.

Tem sim como amigos e familiares ajudarem. Primeiro de tudo dando apoio emocional, acolhendo, ouvindo, aconselhando e nunca julgando. Sempre tem um porque para a pessoa estar nesse tipo de relação e a gente precisa desenvolver mais empatia em relação a isso. Só pelo fato da pessoa saber que pode contar com os amigos e familiares sem ser julgada já vai fazer com que ela esteja mais à vontade para procurá-los quando precisar conversar e desabafar.

Nesses momentos é possível, com jeito, pontuar o que está acontecendo. É importante mostrar os fatos, evidenciar o que aconteceu, o que a pessoa fez e como foi a reação do abusador.

Às vezes é preciso uma intervenção, chamar alguns amigos e familiares para trazer essa consciência de que a pessoa está numa relação abusiva. Ajudar a pessoa a encontrar um profissional da psicologia ou até ir numa delegacia para prestar queixa, se for o caso. Se for uma situação de briga e você estiver presente, é possível se posicionar de alguma maneira em favor da vítima.

É importante também mostrar alternativas para a pessoa. E ajudar a pessoa a romper o relacionamento sem maiores consequências. Se for uma relação profissional abusiva, por exemplo, é possível ajudar a pessoa a mandar currículos. Se for uma amizade abusiva, estar com a pessoa em locais em comum com o abusador ou levá-la a ambientes diferentes.

O que a pessoa que está num relacionamento abusivo pode fazer para sair dessa situação?

Primeiro ela precisa perceber que está nesse tipo de relação, porque se não souber que está numa relação assim, não vai perceber que pode sair. A vítima precisa, então, tomar consciência de que essa relação está fazendo mal pra ela.

Segundo ponto: ela precisa tomar coragem. Por muito tempo, talvez, essa vítima entendeu que era tudo culpa dela, então é preciso coragem pra se romper esse ciclo. Ela pode procurar amigos e familiares, como a gente falou antes, buscar suporte neles. É muito importante esse apoio porque é difícil romper uma relação se todo mundo acha que você tem que continuar ou você se vê sozinha.

Como a psicoterapia pode ajudar?

Na psicoterapia, além de você ter uma visão de quem está de fora, junto com o profissional você pode pensar em alternativas pra essa relação. A psicoterapia também vai te apontar porque você está nessa relação, você vai entender porque acha que essa é a relação que você merece ou porque acha que isso é normal. Entender o que te motiva a entrar numa relação assim vai fazer com que você deixe de repetir esses ciclos em relacionamentos abusivos.

Existem pessoas que, ao descobrir o relacionamento abusivo, saem dele porque elas foram enganadas por uma pessoa. Mas existem pessoas que tem um padrão de repetição em que entram em várias relações abusivas ou arrastam a mesma relação abusiva há muito tempo. Nestes casos a psicoterapia é fundamental para romper esse padrão.

 

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