O nome é complicado e saber se está passando por esta situação, mais ainda. Gaslighting é um termo sem tradução literal, mas que pode ser entendido como manipulação. É uma forma sutil de violência psicológica que pode trazer danos graves para a saúde mental das vítimas. Continue lendo para conhecer os sinais e saber como agir diante desta circunstância.
O que é gaslighting
A psicóloga Alethéia Skowronski Vedovati (CRP 08/23964) nos esclarece que gaslighting é uma forma de abuso psicológico dentro de relacionamentos. “Quando a vítima é levada a acreditar que está errada ou até mesmo louca, mesmo com todas as evidências apontando que está certa”, explica.
As vítimas passam a duvidar de seus sentimentos e competências e, em alguns casos, até de sua sanidade. Alethéia alerta que os danos causados por essa violência psicológica podem ser muito graves. “Gaslighting é uma prática muito danosa a quem sofre, pois não temos como medir ao certo a curto e longo prazo quais serão as consequências e impactos na vida da vítima, já que é algo subjetivo”.
Dados que mostram o quanto o problema é recorrente
Não é mimimi e, não, você não está louca! Embora não existam dados específicos sobre a ocorrência do gaslighting, existem números alarmantes sobre a violência psicológica no Brasil. Em 2017, mulheres foram vítimas em 81% dos casos das ocorrências. Aproximadamente 50 mil mulheres são vítimas de violência psicológica por ano, sendo que em 48% das vezes, o abuso se dá por parte de parceiros ou ex-parceiros.
As informações foram retiradas da Gênero e Número e apresentam dados de 2017, último ano com números disponíveis. Como essas informações são disponibilizadas apenas a partir das ocorrências reportadas, o número de casos pode ser ainda maior.
Exemplos na arte para entender melhor este abuso psicológico
Diversas produções audiovisuais retratam casos de gaslighting e elas podem ser ótimas fontes de aprendizado. Filmes e séries atuam reforçando a percepção de que este é um problema real e sério. Confira abaixo alguns exemplos:
Gaslight – 1944
O filme de suspense Gaslight de 1944, “À Meia Luz” em português, deu origem ao termo gaslighting. Na trama, Paula é manipulada por seu marido Gregory, o qual a leva a acreditar que está enlouquecendo, enquanto a mantém isolada de todos.
Jessica Jones – 2015
A primeira temporada da série retrata Jessica Jones, uma ex super-heroína que está reconstruindo sua vida aos poucos como detetive particular. A série retrata a autodepreciação e outros efeitos pós-traumáticos que podem ser sofridos por uma vítima de gaslighting.
Preciosa: Uma História de Esperança – 2009
O filme retrata a vida de Claireece Precious Jones e serve de um bom exemplo de como o gaslighting pode ocorrer dentro da família. A personagem é abusada psicologicamente pela mãe e constantemente violentada pelo pai. Uma história intensa que traz muita reflexão.
O Bebê de Rosemary – 1968
Este clássico filme de terror também traz uma história de gaslighting em seu enredo. Rosemary, recém-casada e grávida do primeiro filho, vê sua privacidade ser invadida pelos vizinhos com a conivência do marido. Todos ao seu redor fazem com que ela comece a acreditar que está enlouquecendo.
Carol – 2015
Passado nos anos 50, o filme conta a história de Carol, uma mulher lésbica presa a um casamento fracassado com o pai de seu filho. A trama avança com um romance entre ela e Therese, enquanto o marido de Carol questiona judicialmente sua competência como mãe por conta de sua orientação sexual.
13 sinais de que você pode estar sofrendo gaslighting
O gaslighting é uma forma de violência sutil e que pode demorar a ser percebida. Por isso, os sinais a seguir podem servir como um teste para saber se você está passando por isso. Confira!
- Você duvida de si mesma constantemente;
- Tem dúvidas sobre sua sanidade mental, pensa que está enlouquecendo;
- Sempre pede desculpas, mesmo quando não está errada;
- Arruma desculpas para justificar o comportamento do(a) parceiro(a) para si mesma;
- Sente e sabe – lá no fundo – existe alguma coisa errada, mas não consegue explicar;
- Está sempre procurando os motivos bons para continuar na relação, mesmo não estando satisfeita com a maior parte dela;
- Sente que já foi uma pessoa mais feliz, mais animada e com mais energia;
- Não consegue impor limites ou suas vontades em discussões porque sente que isso não importa;
- Tende a aceitar agressões físicas ou verbais por achar que a culpa é sua;
- A outra pessoa tenta se esquivar das responsabilidades e comportamentos que teve, negando o que fez;
- Analisa as situações pela perspectiva alheia, nega suas próprias perspectivas;
- Sente que não é boa o suficiente em nada, está fazendo tudo errado;
- Tem se afastado das pessoas próximas: amigos, familiares, colegas de trabalho.
Estas são apenas algumas situações que podem indicar que você está sofrendo gaslighting. Alethéia reforça também que “é comum que a vítima se encontre cansada mental e fisicamente, em estados mais graves até mesmo depressiva”. Por isso, é importante se atentar aos sinais e procurar ajuda para sair da situação.
Em que tipos de relação o gaslighting pode acontecer?
Quando pensamos em qualquer forma de violência contra mulher é comum pensarmos que acontece apenas entre uma mulher e seu parceiro, mas o gaslighting pode ocorrer em outras relações também. “Pode acontecer em qualquer tipo de relação: amorosas, familiares, fraternais, relações de trabalho”, explica Alethéia.
Ou seja, pode acontecer com um(a) parceiro(a)/ex-parceiro(a), mas também entre pais e filhos, dentro de uma empresa e em outras formas de relações. Na maior parte dos casos, as vítimas são mulheres por conta da estrutura de nossa sociedade.
Como fazer para se libertar do gaslighting
Alethéia explica que o primeiro passo para sair dessa situação é reconhecer que está acontecendo.”Não há como sair de uma situação abusiva sem que a mesma seja percebida, pois só depois é que os próximos passos podem ser dados”, completa a psicóloga.
Não existem regras para lidar com a situação, mas é importante procurar ajuda psicológica e apoio emocional das pessoas próximas. “É muito importante que se busque ajuda profissional, pois quando estamos inseridos no contexto não conseguimos ver a situação de forma integral”, esclarece Alethéia.
Depoimentos para te ajudar a reconhecer o gaslighting
Muitas vezes, essa forma de violência acontece sem que seja perceptível. Por isso, ler algumas histórias reais pode ajudar a ver os sinais de forma mais nítida. Confira alguns depoimentos de mulheres que passaram por isso.
Marina Figueiredo, 24 anos, profissão: redatora “Pra mim é muito difícil entender o que era que ele fazia comigo porque eu só enxerguei que era uma relação abusiva recentemente. Não posso negar que o começo foi ótimo. Aí, depois de um tempo, tudo foi mudando, sabe. Sempre, qualquer coisa que acontecia, ele conseguia sair como a vítima de alguma forma. Ele sempre foi bem nervoso e impulsivo. Já vi ele chutando a mesa do computador porque brochou. Enfim, ele vivia se exaltando e sabe – tudo bem! -, as pessoas têm dias ruins. Isso era o que eu pensava e tentava entender. Quando era comigo, quando eu estava num dia ruim, eu sempre saía como a ruim ou a dramática e eu sempre acabava me desculpando. Eu desisti de um trabalho em outra cidade porque ele ficava falando que eu ia mudar e esquecer ele, que ele não iria me visitar se eu mudasse, que ele queria que eu ficasse perto dele, etc. Quando eu conquistava alguma coisa, por menor que fosse, ele não me parabenizava, mas dizia que “nossa todo mundo conseguindo as coisas na vida e eu aqui”. Aí, eu me sentia mal pelas coisas que tinha conquistado. Eu quase desisti de uma viagem por conta disso. Ficamos juntos oficialmente por um ano, mas foram 3 anos de rolo. Ele nunca almoçou na minha casa nem eu na dele. Não saía com meus amigos e eu não saía com os dele. Ele falava que não queria misturar as coisas e ficava fazendo perguntas do tipo: ‘eu não basto pra você? Você não tá feliz com o que a gente tem?’. E eu não podia questionar. A mesma coisa era em relação a ter ou não filhos. A gente nunca discutiu de verdade isso, porque ele dizia que nunca ia ter filhos e que não era pra eu fazer perguntas sobre isso. Tem várias outras situações, algumas que continuaram até após o término. Foi um processo bem longo até perceber que foi um abuso.”
Letícia Soares, 21 anos, profissão: autônoma “No meu antigo trabalho, após as funcionárias terem vivenciado uma situação abusiva, os superiores sempre tentavam contornar ou evitar falar do problema que eles haviam causado. Tentaram passar por cima do caso e deixar aquilo para trás. Isso criou certo pânico porque, ao ser forçada a esquecer da situação, ficava me questionando diversas vezes se tinha sido realmente um problema. Duvidei várias vezes de coisas que eu presenciei e ficava me perguntando se eu mesma não tinha criado ou aumentado o caso na minha cabeça. Acho que percebi que isso foi um gaslighting depois de ter conversado bastante com as minhas amigas próximas e após conseguir analisar todo o ocorrido quando já não estava mais na empresa.”
Amanda Pires, 24 anos, profissão: professora “Sofri duas situações com dois ex-companheiros. Na primeira, ele ficou por um ano inteiro me enrolando e me dando esperanças e sendo um parceiro incrível, ao mesmo tempo que ficava com outras na minha frente. Quando eu reclamava ele dizia: ‘eu te avisei que não queria nada sério’. Eu me sentia um lixo, acabava concordando com ele e perdoava. Na segunda situação, eram coisas mais sutis. Ele fazia eu me sentir culpada por não querer transar. Me fazia avisar até se entrava no ônibus voltando do trabalho e, se eu não fizesse isso, ele fazia eu me sentir uma péssima namorada. Ele escondia coisas de mim e se eu desconfiasse de algo eu era doida e controladora. Só percebi tudo isso depois que eu amadureci e entrei mais em contato com o feminismo. Uma parte de mim me culpou muito, mas depois eu me dei conta que todas nós estamos sujeitas a isso e que cada uma tem um tempo pra perceber um abuso. Eu acredito que por ser algo muito dolorido é uma defesa da nossa mente num primeiro momento. Hoje eu sinto que eu percebi na hora certa.”
Pode ser difícil perceber que alguém próximo é capaz de te fazer mal. Por isso, é muito importante buscar ajuda psicológica nessa e em outras situações semelhantes. Além disso, busque se manter informada e ajudar a informar as mulheres próximas de você. Por isso, entenda melhor a violência doméstica e crie uma rede de informação.
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